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Casa França-Brasil recebe exposição O Teatro do Terror de Ismael Monticelli

Disponível até 22 de fevereiro, exposição convida à reflexão sobre os eventos de 08 de janeiro de 2023. Com curadoria textual de Clarissa Diniz, mostra propõe um diálogo crítico entre arte e história contemporânea

A partir de 4 de janeiro de 2025, a Casa França-Brasil, apresenta a mostra O Teatro do Terror, de Ismael Monticelli, que aborda os eventos de 8 de janeiro de 2023 em diálogo com o Futurismo — vanguarda artística do início do século XX relacionada ao fascismo. Após atrair mais de 40.000 visitantes no Museu Nacional de Brasília, Monticelli transforma a nave do edifício histórico carioca projetado no século XIX por Grandjean de Montigny em um cenário de combate que ressalta a teatralidade e o caráter midiático da tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito. Na instalação, a violência e a destruição se entrelaçam com festa e celebração, convidando o público a refletir sobre a complexidade desses acontecimentos. A mostra, que marca os dois anos da série de vandalismosinvasões e depredações do patrimônio público, conta com texto assinado por Clarissa Diniz, curadora e pesquisadora pernambucana radicada no Rio de Janeiro.

A exposição fica em cartaz até 22 de fevereiro, com visitação de segunda, das 12h às 17h, e, terça a sábado, das 10h às 17h. A Casa França-Brasil está localizada na Rua Visconde de Itaboraí, 78 – Centro, Rio de Janeiro/RJ. A entrada é gratuita e aberta a todos os públicos.

A instalação de Monticelli ocupa os 30 metros de extensão da nave central da Casa França-Brasil e apresenta uma cena de conflito com figuras humanas em escala real, pintadas em tinta acrílica sobre caixas de papelão abertas e recortadas. Para criar essas figuras, o artista se apropriou do imaginário das obras do italiano Fortunato Depero, produzidas na década de 1920. Nesse período, Depero estava alinhado ao programa estético e ideológico do futurismo, criando imagens que exploravam o tema da guerra e do combate. Em uma obra em particular, intitulada Guerra = Festa (1925), Depero retratou em tapeçaria uma cena da Primeira Guerra Mundial. No entanto, ao contrário das expectativas de truculência e sanguinolência, a imagem esconde a violência sob um véu alegre e lúdico, sugerido pela profusão de cores e formas na composição.

É na fronteira entre a violência e o jogo que se situa Guerra = Festa, onde Depero retratou o conflito como um grande espetáculo, uma celebração, num motim de formas e cores, alinhando-se completamente ao programa futurista de ‘glorificar a guerra’ como uma força capaz de ‘curar, purificar’ a sociedade’. As obras de Depero desse período parecem ressoar com os eventos de 8 de janeiro, que transformaram a violência e a destruição em um jogo festivo, um ‘turismo da violência’. Nos grupos de WhatsApp organizados para planejar a ação, os organizadores utilizavam uma mensagem em código para sinalizar a ocupação da Esplanada dos Ministérios, referindo-se ao evento como um “dia de festa.” A senha escolhida foi “Festa da Selma” (em alusão ao grito militar “Selva”).

Ismael Monticelli

Monticelli escolheu o papelão como material principal para sua instalação, não apenas por suas propriedades físicas, mas também por sua história simbólica. Durante as Guerras Mundiais, o papelão desempenhou um papel crucial em diversas aplicações militares, como na fabricação de capacetes, contêineres de armazenamento e até embarcações. Devido à necessidade de redirecionar metais para o esforço de guerra, muitos itens cotidianos, que antes eram feitos de lata, chumbo e ferro fundido, passaram a ser produzidos em papelão. Outra questão crucial da escolha do material é sua precariedade.

“A instalação, que tem frontalidade evidente, utiliza a nave da Casa França-Brasil como um palco teatral desprovido de sua caixa cênica, expondo a fragilidade que sustenta o conflito retratado na parte frontal. Ao observar a obra por trás, revela-se uma paisagem de silhuetas de papelão, com as bordas borradas pela tinta e sustentadas por blocos de concreto. É uma espécie de cenografia que se desnuda, revelando suas próprias entranhas e ressaltando a vulnerabilidade inerente à materialidade e à narrativa que compõe”, ressalta o artista.

Um dos principais procedimentos artísticos de Ismael Monticelli é repensar imagens, histórias e narrativas estabelecidas, reorganizando-as ao confrontá-las com questões atuais. Em O Teatro do Terror, o artista revisita os eventos de 8 de janeiro à luz de uma das vanguardas do início do século XX – o futurismo. “Uma das primeiras perguntas que me fiz foi: como abordar esse acontecimento com uma estética e um programa ideológico que se alinhem a ele? O futurismo me pareceu uma forma de pensar as invasões em Brasília, especialmente porque tanto essa vanguarda quanto o 8 de janeiro parecem compartilhar uma ânsia pela destruição de tudo”, comenta o artista.

O Futurismo e o Fascismo

Inaugurado há mais de 100 anos, o Manifesto Futurista (1909), escrito por Filippo Tommaso Marinetti e publicado no jornal francês Le Figaro, estabeleceu as bases de um programa que seria desenvolvido e refinado pelos artistas italianos ao longo dos anos. O manifesto exaltava a velocidade, a violência e a destruição como fontes de energia e renovação. Os futuristas celebravam a guerra, a masculinidade, o militarismo, o patriotismo como forças purificadoras, capazes de abrir caminho para uma nova ordem. A relação complexa do Futurismo com a guerra é destacada por sua postura paradoxal durante o conflito. Enquanto muitos movimentos vanguardistas, como o Dadaísmo, condenaram a guerra e as instituições responsáveis, os Futuristas, apoiaram-na entusiasticamente. Eles defendiam a destruição de museus, bibliotecas, universidades e qualquer resquício de sentimentalismo, que consideravam sinais de fraqueza. Para os futuristas, recomeçar do zero era essencial, incluindo a rejeição do feminismo e da igualdade social, vistos como valores ultrapassados e covardes.

“Os valores exaltados pelos futuristas parecem ecoar nas motivações das pessoas envolvidas nos eventos de 8 de janeiro. O militarismo faz parte do imaginário reacionário brasileiro. Um exemplo claro é o acampamento ‘300 do Brasil’ (2020) na Esplanada dos Ministérios, próximo ao Ministério da Justiça, em Brasília, que contava com membros armados e uniformizados, formando um batalhão paramilitar supostamente preparado para a guerra, tendo como principal alvo o STF. Uma das inspirações para essa ação veio do filme norte-americano 300 (2006 e 2014) – criticado por sua estética fascista –, que se tornou uma referência mundial para movimentos de extrema-direita”.

A exposição é uma realização da Portas Vilaseca Galeria e dá início às comemorações dos 15 anos da galeria carioca em 2025. Com parceria institucional da Casa França-Brasil – Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado do Rio de Janeiro –, a mostra também conta com o apoio da Funarte e Ministério da Cultura.

Sobre o artista

Ismael Monticelli é um artista multimídia com 15 anos de trajetória. É doutor em Arte e Cultura Contemporânea (UERJ,2022), mestre em Artes Visuais – Processos de Criação e Poéticas do Cotidiano (UFPel, 2014). É um dos artistas selecionados para participar da próxima Bienal do Mercosul, a ser realizada em março de 2025. Em 2019, ganhou o 7º Prêmio Indústria Nacional Marcantonio Vilaça, maior prêmio destinado a artistas em atuação no Brasil, e foi contemplado com a Bolsa ProHelvetia de Residência para Artistas Sul-Americanos, realizada em La Becque Residence D’artistes, La Tour-de-Peilz/Suíça. No mesmo ano, realizou residência no Institute of Contemporary Arts de Singapura e no ArtSonica – Laboratório de experimentação artística, Oi Futuro, Rio de Janeiro. Em 2018, foi indicado ao Prêmio Pipa e, em 2017, foi um dos artistas ganhadores do Prêmio Foco da ArtRio. Seu trabalho foi destaque em publicações internacionais como o jornal The Guardian, a Revista Apollo e a Ocula Magazine, na ocasião de sua participação na exposição Horror in the Modernist Block, com curadoria de Melanie Pocock, na Ikon Gallery Birmingham/UK, 2022-2023. Já realizou 12 exposições individuais. Participou de 54 exposições coletivas no Brasil e em outros países como Reino Unido, Estados Unidos, Suíça e Singapura.

Serviço

O Teatro do Terror, de Ismael Monticelli
Endereço:
Rua Visconde de Itaboraí, 78 – Centro, Rio de Janeiro
Período Expositivo: 05/01 a 23/02
Funcionamento: segunda, das 12h às 17h, e, terça a sábado, das 10h às 17h.
Horário de atendimento exclusivo para pessoas com deficiência intelectual e mental: Quartas-feiras de 10h às 11h. Local acessível para cadeirantes
Classificação: indicativa livre
Entrada: gratuita

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